28 de setembro de 2011

SOMAR OU SUBTRAIR?

Resumo: reproduzo a notícia de ontem da Folha de São Paulo sobre a proposta de mudança no currículo do ensino médio da rede pública do estado de São Paulo (governador Geraldo Alckmin - PSDB). 
Leiam e tirem suas conclusões. Se quiser, comentem aqui ou no Facebook.

SP corta aulas de português e matemática

Redução da carga horária das duas disciplinas no ensino médio será usada para aumentar espaço de outras matérias

Governo estadual quer aumentar o espaço de outras disciplinas somente no último ano do antigo segundo grau

FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO

O governo paulista finalizou projeto de mudança no ensino médio, a ser implantado já em 2012. Português e matemática perdem espaço para outras matérias como espanhol, física e sociologia.
Outra alteração é que estudantes do terceiro ano escolherão currículo com uma das três ênfases: linguagem; matemática e ciências da natureza; ou ciências humanas.
Hoje, o currículo é praticamente o mesmo para todos. A possibilidade de escolha valerá aos alunos que concluírem o ensino médio em 2014. Os colégios receberam documento neste mês com a proposta. Em outubro, a Secretaria da Educação definirá se o projeto será alterado. A secretaria não se pronunciou sobre o tema.

NOVA DISTRIBUIÇÃO
A redução de português e matemática valerá para todos. No ensino médio matutino, por exemplo, o aluno que está na rede hoje deverá ter assistido a 560 aulas de português quando se formar. Pela proposta, se ele escolher ênfase em linguagem, serão 440 aulas (20% menos). No currículo com ênfase em matemática, seriam 400 aulas e 360 em humanas.
Por outro lado, todos os estudantes terão carga maior de física, química, filosofia e sociologia, que hoje chegam a ter apenas uma aula semanal.
Com a alteração, o governo tira carga de matérias em que os alunos têm problemas -prova da secretaria aponta que 38% estão abaixo do esperado em português e 58% em matemática.
Hoje, o ensino médio estadual tem cerca de 1,5 milhão de alunos -quase 85% das matrículas no Estado. A proposta aumenta a carga horária de matérias menos presentes -português e matemática têm cinco vezes mais aulas que sociologia. Outra alteração é que haverá espanhol em todas as escolas (hoje só existe onde há turmas interessadas).
A intenção da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) é que haja maior equilíbrio na distribuição das matérias e que os alunos se sintam mais atraídos pelo ensino, pois terão variações de currículo.
Docente da Faculdade de Educação da USP, Ocimar Alavarse não vê problemas na redução de português e matemática, pois a carga de ambas já é alta. Mas ele discorda das ênfases. "A divisão concentra precocemente a formação do jovem, que precisa de conhecimento geral". Alavarse afirma ainda que a alteração para currículos diferentes pode ser estratégia para atenuar a falta de professores. Podem ser oferecidas, diz, matérias em que haja mais docentes, tirando o peso daquelas com deficit.
Também professora da USP, Carmen Sylvia Vidigal Moraes se diz "desconfiada" da redução de aulas de português e matemática. "Por que, toda vez que se tem de aumentar algumas disciplinas, se fala em retirar outras?", indaga ela, que defende aumento da jornada e ressaltou não ter tido acesso à proposta do governo.

Colaborou SÉRGIO MADURO

19 de setembro de 2011

O TEMPO NÃO PARA

Ingresso do Rock in Rio 85
O Rock in Rio 2011 está aí, 26 anos depois do primeiro, que marcou época. Boa hora pra fazer algumas reflexões e perceber algumas mudanças que ocorreram durante este tempo.

Em 85 as pessoas se comunicavam por carta e telefone (interurbano era uma fortuna), não havia msn, torpedos, blogues nada disso. A mídia alternativa consistia em jornaizinhos mimeografados (confira na Wikipédia o que é isto) ou xerocados (estes passaram a receber o nome de zines).
Quase não havia espaço na imprensa para o universo do rock, notícias sobre grupos, músicos e shows eram garimpadas com frenesi pelos novos e velhos cabeludos, com visual hippie ou metaleiro. Fotos? Nem pensar. Quem tinha algum exemplar da antiga Pop, colorida e repleta de fotos, era um privilegiado, dono de um capital capaz de chantagear qualquer um em busca de imagens e informação.
Neste período surgiram a Pipoca Moderna, Roll, Metal, Rock Brigade e depois a inesquecível Bizz, consequência direta do aumento do público (e consumidores) do mercado do rock. Blitz, o Rock Brasil, assim como o Rock in Rio e a sequência de shows que começaram a chegar aqui são a prova disto.
O festival mítico que habitava o consciente coletivo era Woodstock, mas isso já havia acontecido há 16 anos, e para minha geração, na casa dos 18, era um outro tempo, parecia outro planeta. São estas experiências que provam que o tempo não existe, o Verão da Paz e do Amor, um vácuo de 16 anos, estava muito mais distante de mim naquela época do que o "recente" Verão da Lata (1988) está para mim hoje.
O Brasil começava a transição para a democracia e a legalização dos outrora partidos clandestinos, que faziam nossa cabeça no movimento estudantil, anos antes. O carro brasileiro era "uma carroça", videogame era Atari, shopping não existia, pelo menos no brasilzão em que 99% dos roqueiros moravam. Ser roqueiro significava ser identificado pelo visual e comportamento, além das ostensivas capas dos elepês levados debaixo do braço pelas ruas da cidade. Elepês eram os discos de vinil que ouvíamos em aparelhos de som chamados 3 em 1 (rádio + tocador e gravador de fita cassete + toca-discos). Como se vê, mudou muito em matéria de tecnologia, mas os desejos eram um tanto parecidos, obter informação, gravar, trocar informação, formar grupos a partir das preferências etc. A indústria se sofisticou, o público aumentou, o país mudou, mas é engraçado esta sensação de que por um lado está tudo tão diferente e, por outro, tudo está tão parecido.

12 de setembro de 2011

O QUE OS JORNAIS NÃO DIZEM SOBRE O ENEM

 Resumo: neste texto comento a distinção entre escolas públicas e privadas motivado pelos jornais de hoje, que noticiam mais um índice do ENEM.

            Sempre que os resultados do ENEM chegam à imprensa dá-se sempre o mesmo: a "educação pública" é achincalhada e seu "inaceitável" fracasso é comparado com a eficiência das escolas privadas, estas sim, um modelo do que deveria ser a educação brasileira. Em meio a tantos números, índices e nomes, noticia-se muito, mas informa-se pouco. Nas entrelinhas ficam algumas impressões para os leitores, dentre elas, a de que o ensino público é ruim por ser público e que o modelo privado (leia-se, pago) é o modelo a ser padronizado, sugerindo que a escola pública deva ser apenas uma benesse do Estado para a massa empobrecida.
            Em comentário no jornal O Globo (de 12/09/2011), Nélio Bizzo (da Faculdade de Educação da USP[1]) fez um importante comentário: "- Você pode avaliar os alunos, mas não pode comparar as escolas porque é uma injustiça com as públicas. Elas não estão preparadas para que seus alunos façam o Enem, enquanto as privadas escolhem os melhores para fazerem as provas".
            De fato, as realidades são tão distintas que é impossível os resultados se aproximarem, pelo menos enquanto o modelo de ensino, em ambos os casos, se mantiver. Para começar, há o fato de muitas particulares "escolherem" os alunos que farão a prova (no limite mínimo de 25%), enquanto nas públicas o índice de participação é maior e não há escolha. Mas isto não é nada. A escola particular no Brasil já promove no plano econômico uma filtragem, pois devido ao valor de uma mensalidade o conjunto de alunos que ali estudam representa uma camada socioeconômica e cultural que ocupa a parte de cima da pirâmide social. Oriundos de famílias das classes altas e médias, estão mais habituados com a rotina escolar e com a cultura letrada, que entra muito cedo em suas vidas.
            A escola pública, por sua vez, promove algo impensável nas particulares, a inclusão de todo e qualquer indivíduo em condições de matricular-se, não importando sua idade, condição financeira, histórico escolar, situação de risco, local de moradia, antecedentes policiais e por aí vai. Tal processo de universalização do ensino, que nos últimos quinze anos tem se aproximado quase da totalidade de seu objetivo (todos alunos nas escolas), é um dos responsáveis por uma série de situações que geram dificuldades para o ambiente escolar. A posição no ranking do MEC não é atributo exclusivo da presença desse grupo de alunos com dificuldade de adaptação ao regime escolar, mas gostaria de insistir na descrição dessa situação para melhor encaminhar a discussão. Também não pretendo me posicionar definitivamente sobre alguns assuntos aqui levantados, uma vez que considero necessário contextualizá-los primeiro para depois ir em busca de suas soluções, quando então torna-se imprescindível marcar posição.
            Há numerosos indivíduos, transformados compulsoriamente em alunos, que não trazem do ambiente de origem o discurso ideologizado do estudo como tábua de salvação para o sucesso social. Somam-se a isto a inabilidade e pouca intimidade de seus responsáveis (nem sempre os pais biológicos) com o universo pedagógico e suas demandas: deveres para casa, pesquisas, práticas de estudo, organização do material escolar, reconhecimento da hierarquia escolar etc. Fatores variados ainda contribuem para que este grupo tenha dificuldades de adaptar-se ao padrão de comportamento que dele se espera, pois o índice de envolvimento com situações de risco (má nutrição, doenças não tratadas, distúrbios neurológicos, drogas, marginalidade, sexualidade precoce, violência doméstica, abuso sexual entre outros) é exponencialmente maior em relação aos demais alunos. Não possuo dados concretos, mas empiricamente arriscaria dizer que este grupo de alunos com dificuldade de adaptação representa algo entre 10 e 20 por cento do total. Parto do princípio de que em uma sala de 30 alunos do fundamental ou médio é comum identificarmos mais ou menos cinco alunos com tal perfil. Claro que no ensino médio o processo de exclusão por reprovação faz diminuir este índice.
            Embora para um cidadão comum possa parecer pequena esta porcentagem, professores, inspetores e equipe pedagógica sabem o quanto o cotidiano escolar é afetado pelo esforço de contornar os conflitos gerados pela interação deste grupo com o ambiente escolar. Espero que meus argumentos não causem a sensação de estar "demonizando" ou sugerindo a exclusão de certos indivíduos. Muito pelo contrário, busco aqui chamar a atenção para algo pouco assumido pelo discurso oficial ou pela retórica política ou mesmo pelo autismo de alguns pedagogos e burocratas do ensino.
            Na mesma reportagem citada acima, é revelador o comentário da supervisora pedagógica do Colégio São Bento, primeiro colocado no ranking: "_ Se o aluno quiser usar calça rasgada, brinco, piercing e cordões, certamente não estudará aqui". A possibilidade de uma escola pública adotar um regimento disciplinar, digamos, mais rigoroso é rara. A começar pela interpretação confusa e titubeante que é feita do ECA (o Estatuto da Criança e Adolescente) tanto pelos próprios conselheiros tutelares quanto pelas secretarias municipais e estaduais. Os funcionários das unidades escolares ficam desorientados sem saber que medida tomar diante dos fatos, incapazes de distinguir um ato infracional de um ato indisciplinar. A proposta de revisão da redação do ECA pode vir a corrigir isto, embora persista um desacordo profundo na interpretação dos direitos e deveres da criança e do adolescente entre os membros e entidades que participam deste debate. Juízes, promotores, conselheiros tutelares, pedagogos e assistentes sociais enxergam por prismas distintos o assunto.
            As chamadas "medidas punitivas", tão explicitamente assumidas nas particulares, são, na maioria das escolas públicas, assunto proibido ou ao menos indigesto. Reprimenda de gestores, intervenção de orientadores, impossibilidade legal e até pressão política são alguns dos argumentos citados por profissionais da educação quando indagados sobre a dificuldade de pôr em prática tais medidas. O resultado é que todo o sistema é afetado pela exaustiva e tensa situação descrita. Há argumentos que apontam este ambiente conflituoso como um dos responsáveis pelo alto índice de afastamentos (por prescrição médica, por exemplo) e faltas de professores da escola pública, índice que nas particulares é baixíssimo. Que fique claro neste ponto que nos dois ambientes (público e privado) encontram-se alunos "bagunceiros" e "que gostam de aprontar", mas não é desses que estamos falando.
            Esta heterogeneidade profunda que uma escola pública é capaz de concentrar solicita um arcabouço pedagógico que ainda é de desconhecimento da maior parte dos profissionais da educação pública. Há casos em que esta diversidade não ocorre, ou ocorre menos, como nas zonas rurais, em que o público é bem mais homogêneo do que os dos centros urbanos. Alguém pode pensar em "separar" os alunos por sua habilidade cognitiva e desempenho, para favorecer o processo de ensino-aprendizagem, mas seria ferir o que estabelece os PCN's (Parâmetros Curriculares Nacionais) criar turmas A, B e C de acordo com tais critérios de distinção. Isto nas públicas, claro.
            Outro fator relevante diz respeito aos fundamentos epistemológicos postos em prática em cada um desses ambientes. Exemplo disto é o fato de ser comum nas escolas privadas os simulados, em que se reproduz o modelo de provas de concursos (vestibular) para que o aluno se habitue e se prepare para elas. Novamente, se a escola pública tem por princípio obedecer de fato às propostas dos PCN's, ela deve variar seu modelo de ensino e avaliação, em respeito às inteligências múltiplas e à própria concepção do que seja o ensino e para que serve a educação. Neste documento do MEC está claro que não pode a escola preparar o aluno durante anos com o objetivo maior de realizar uma prova que dura poucas horas. Este é mais um ingrediente para o caldeirão dos conflitos e soluções da educação. As práticas de treinamento do ensino conteudista exigem ainda uma complexa rede de elaboração, impressão e correção de provas, assim como de uma carga horária extra, em geral sábados (por vezes, até domingo), algo para lá de assimilado pelos alunos de colégios como o São Bento. Isto implica em gastos e uma estrutura razoável de equipamentos, salas, profissionais dentre outros.
            Por fim, voltando a reportagem aqui já citada, é importante ressaltar que as medidas prováveis para a solução desses problemas já são mais que conhecidas. É o que sintetiza Ocimar Alavarse (USP) no que chama de             "três vertentes" para aprimorar o ensino público: "injeção de recursos (incluindo melhoria salarial dos professores), reforma física e organizacional das escolas e melhoria da formação dos professores". Como se vê, nada impossível. Mas os motivos para sua não realização já são assunto para outro momento.
            
AUTORIA: Fábio Elionar do Carmo Souza.
LINQUES: O Globo