20 de outubro de 2011

O HOMEM MAIS PERIGOSO DA AMÉRICA

Em 1971, o The New York Times iniciou uma série de reportagens em que revelavam ao público o conteúdo de vários documentos ultrassecretos do Governo Estadounidense sobre a Guerra do Vietnã. Em síntese, os documentos provavam que vários presidentes (Einsenhower, Kennedy, Lyndon Jonhson e Nixon) sabiam que a guerra era infrutífera e que não havia por que continuar com sua manutenção. Além disso, os documentos descreviam a manipulação e a construção de fatos sobre a guerra que jogavam por terra os discursos patrióticos que tentavam justificar a invasão do Vietnã.
O responsável por isso, e a fonte do NYT, foi Daniel Ellsberg, que com a ajuda de um amigo e do casal de filhos (de 13 e 10 anos na época), xerocou durante meses as mais de 7 mil páginas de documentos.
Ellsberg era um funcionário público de alto nível, com acesso direto a Robert McNamara (Secretário de Defesa dos EUA entre 1961 e 68), que durante boa parte de sua vida defendeu a invasão estadounidense como uma forma de luta pela democracia. Após passar um tempo no Vietnã e conhecer a real situação das tropas e do conflito, percebeu que a versão dos fatos divulgada pelo governo era intencionalmente forjada e despropositada. Daniel passa então a ter contato com os movimentos de repúdio à guerra e começa a elaborar um plano para provocar seu término. Ciente dos riscos, decidiu-se por revelar os "papéis do Pentágono"
O documentário, de Judith Ehrlich e Rick Goldsmith, tem narrativa convencional e correta, sendo um grande trunfo a qualidade histórica e reveladoras das imagens (fotos e vídeos) e gravações (dos telefonemas de Nixon) usadas para narrar os fatos. 
Outro elemento que enriquece o filme é o dilema ético por qual passa Ellsberg, dividido entre suas convicções patrióticas e a necessidade em desmascarar uma instituição que sempre admirou. Tudo isso ainda fica mais dramático pelo fato de Ellsberger saber que, ao fazer as cópias dos documentos e revelá-los, sofreria perseguições, teria de abdicar de seu emprego e dos privilégios que usufruía e ainda correria sérios riscos de ficar anos preso por espionagem.
As consequências das revelações entraram para a História dos Estados Unidos e provocaram uma polêmica gigantesca, que foi parar na Corte Suprema, sobre o direito de imprensa, uma vez que Nixon reagiu com truculência ao vazamento e tentou processar os jornais e levar Daniel à prisão. 
Não custa lembrar que a guerra causou a morte de 2 milhões de vietnamitas e 57 mil soldados estadounidenses. 
No conjunto, trata-se de um bom documentário sobre um tema de grande interesse.

TEMAS PRINCIPAIS: 1. Guerra do Vietnã 2. Governo Nixon 3.Direito de Imprensa
SUBTEMAS: 1. Anos 60 2. Contracultura 3.Protestos Populares
    SAIBA MAIS:
    FICHA TÉCNICA:
    Gênero: Documentário
    Duração: 92 minutos
    Direção: Judith Ehrlich, Rick Goldsmith
    Roteiro: Michael Chandler, Judith Ehrlich, Rick Goldsmith, Lawrence Lerew
    Ano de Lançamento: 2009

    Idioma: Inglês (legendas: Português-BR)

    ELENCO
    John Dean; Daniel Ellsberg; Patricia Ellsberg; Max Frankel; Mike Gravel; Bud Krogh; Tony Russo; Hedrick Smith




    15 de outubro de 2011

    O CÍRCULO

    O homem de preto avançou sobre o cadáver tombado no beco e ficou olhando alguns instantes até ter certeza de  que o corpo não mais se movia. Havia uma lua, sim, sobre isso tudo, e era cheia, pesadamente prateada. Para o silêncio de onde veio, o homem de negro voltou.
    Em certo momento a moça veio passando, mas isto já era às seis horas da manhã, quando ela se dirigia ao ponto de ônibus a caminho do trabalho, e viu o corpo, viu o sangue e os furos na roupa do morto. Viu as pegadas de um vermelho-quase-preto pegajoso se afastando em direção ao beco e ficando disformes e apagadas quanto mais se distanciavam do corpo. Era como se o sangue que estivera contido na embalagem de carne não quisesse se afastar e se agarrasse ao asfalto encardido com certo desespero.
    E a mulher estancou.
    Ela não saberia dizer quanto tempo ficou ali, olhando a cena, menos ainda saberia dizer o que sentiu ou pensou. Ela só sabe que a imagem do corpo-sangue-asfalto imprimiu-se de tal forma em sua memória que, de imediato, percebeu que jamais conseguiria retirar dali esta cena esculpida em vermelho escuro.
    Chega uma hora em que é preciso se afastar, mesmo não havendo vontade própria, ou desejo declarado. E ela se afastou.
    Uma hora depois, sacolejando no segundo ônibus, passando por entre as fachadas estridentes das lojas do centro, ainda continuava enxergando mais a cena no beco do que a arquitetura e as pessoas que infestavam o centro da cidade. Aquela multidão toda que se espalhava desordenadamente em volta do ônibus era como se não existisse. Ou então, era como... como se todas as pessoas que passassem em torno de seu campo de visão confluíssem e se introjetassem no corpo caído no beco por meio das fendas abertas a golpe de faca e que, parecia, não cicatrizariam nunca. Do mesmo, modo, sentia-se realmente e desesperadamente solitária, triste e aflitamente solitária. Sozinha no ônibus-ilha, parecia lhe faltar apenas os coqueiros-clichês das piadas de náufrago. Foi quando percebeu que a imagem retida na memória começara a causar-lhe dor. Chorou.
    Na lanchonete em que trabalhava há dois anos, a vida passava como se cumprisse um contrato em que estivesse determinado que nada poderia fugir da normalidade. A sequência de ações se repetiam como em um filme colocado para recomeçar sempre que chegasse ao fim. Mas não naquele dia.
    Atender aos clientes e fazer as obrigações rotineiras adquiriu um novo sentido. Olhava para cada pessoa e parecia querer alertá-las de que aquela seria a última vez, pois a vida acaba quando menos se espera. E pode ser num beco sombrio, longe de tudo e de todos.
    Nunca havia pensado que espremer uma laranja era como retirar de dentro dela toda a história vivida pela fruta desde o desabrochar em flor. E tremia sem poder dizer a ninguém o que sentia, pois não queria parecer enlouquecida para pessoas que ainda continuavam a cumprir o contrato com a rotina. 
    Havia diante dela dois mundos, um era sólido, feito de pessoas, mesas, talheres e cores difusas. Através deste, havia um mundo transparente que se fazia mais real e presente que o outro. Em um, via uma faca e copos, e na sombra da faca e dos copos percebia a agudeza do corte e a violência do vidro. 
    Além disso havia os cheiros. Antes ignorados, a fritura, os condimentos e os produtos de limpeza adquiriam uma existência quase física de tão opressora. Seu estômago chegara a revirar sob o efeito da nauseante avalanche de odores quase visíveis.
    E sempre a imagem do corte, do sangue e da vida escapando pelos orifícios abertos a contrapelo.
    O dia passou, parecia que não iria acabar nunca, mas passou. E se a experiência sufocante das horas de trabalho lhe pareceram insuportáveis, a chegada da noite e suas sombras foram pior, muito mais assustadoras. A escuridão e as manchas negras nos pontos cegos, sob marquises, entre grades e árvores, tinham volume e era possível tocá-las e empurrá-las com as mãos trêmulas e frias.
    Gostaria muito que houvesse um mar de lâmpadas acesas e que cada pessoa brilhasse como uma tela de TV, para que pudesse desfazer o nó na garganta que a impedia de respirar, mas por onde mirasse só havia a escuridão.
    Quando olhou para o lado, foi obrigada a parar. Lá estava ele, o beco da manhã, agora mais severo e ameaçador. O beco com sua entrada mas cujo fim parecia não existir, embaralhado pelas trevas que pareciam nascer ali. Talvez fosse mesmo isso... descobrira sem querer a origem das sombras, o lugar de onde elas surgiam e se espalhavam pelo mundo afora.
    Não havia nada ali, ao menos parecia não haver. Só o vazio do corpo, retirado ainda há pouco e levado para seu destino certo. Depois da ausência do morto o beco se afundava em manchas indistintas.
    Foi então que ela avançou. Passo após passo, lentamente foi penetrando a escuridão e sentindo a pele gelar sob o peso do ar sombrio. 
    Passou pela última pegada pintada com restos de sangue e olhou em direção ao nada. E dentro dele viu um homem de preto. Quieto, segurava com firmeza uma faca recém usada. Finalmente respirou.

    10 de outubro de 2011

    O INV(F)ERNO BRASILEIRO

    Imagem do blogue http://wsantacruz.com.br/tag/reflexao/
     A presidenta Dilma vem agindo em relação a vários temas de um modo muito distinto de seu antecessor, Lula. É aceitável que ela imprima um modo próprio de governar, senão pareceria mero fantoche na mão de quem a escolheu e a construiu como candidata, mas esperava-se a continuidade das estratégias e ações políticas dos dois mandatos anteriores, que foram a principal causa de sua escolha como sucessora. No MinC, Ana de Hollanda desfez a belíssima construção democrática pluralista que vinha sendo solidificada entre os setores culturais, unindo centro e periferia, cidade e zona rural, artistas renomados e os mambembes da vida, artes consagradas e as ditas 'populares'. Expurgando a ideia de criações compartilhadas e fazendo do Minc escritório do nefasto ECAD, a arrogante Ana de Hollanda trouxe de volta os mandarins engravatados que nada sabem e tudo mandam. 
    O silêncio de Dilma diante do achincalhamento diário a que vem sendo submetido Lula pela imprensa golpista é alarmante. Quando no poder, ninguém teve peito para ofender Lula com mentiras e distorções, pois sabia que a resposta seria demolidora. Afastado dos microfones iluminados da grande mídia, Lula deveria ter em Dilma sua defensora. Mas ela só quer saber de exaltar a força da mulher, balela que só ressalta o conflito entre gêneros, que é importante, mas a violência entre classes não tem gênero, uma madame não é nada maternal quando quer demolir, ofender e humilhar seus subordinados machos. Agora ela ataca os sindicatos. Daí pra frente vamos ver o que vai dar.
    Nunca MAIS na história desse país teremos um governante, estadista, líder, intelectual como Luis Inácio Lula da Silva, legítimo representante e conhecedor de fato da realidade da grande massa de desempregados e trabalhadores de baixo nível econômico deste país. Com seus milhares de defeitos (por favor, o assunto aqui não é macroeconomia, políticas monetárias e tecnocracias abstratas, não por enquanto), Lula tinha uma virtude que encobria tudo isto: saber o que é a vida minuto a minuto, dia a dia dos miseráveis, pobres e remediados. O quanto esta grande massa [os termos não são técnicos, mas de uso recorrente] de homens, mulheres, meninos, meninas, brancos, negros, índios, favelados, caipiras, nordestinos, deficientes físicos e mentais, viados, travestis, crentes, descrentes, alcoolizados, escravizados e tantos outros sente na pele, na alma, na mente pelo CONTATO DIÁRIO com a frustração, a dor, a injúria, o desprezo, a impotência, a injustiça, a insatisfação de toda ordem, a carência de saúde, de alimentação decente, de conforto mínimo, de dignidade. O quanto esta massa é massacrada ao entrar no ônibus, ao andar na rua, ao entrar na padaria, ao chegar no serviço, ao falar com os chefes e clientes, ao ser abordada pela PM, por representantes do Estado, do Judicíario, do Executivo, e ainda, ao chegar em casa, em lugar de encontrar um oásis para esquecer da tortura a que está condenado a viver diariamente, encontra, muitas vezes o pior de todos os seus sofrimentos, o sofrimento dos filhos e da esposa, da mãe e do pai. Este sofrimento que doeria menos se ele pudesse sentir em sua pele, mas não pode. Este indivíduo, maioria absoluta deste país, é apenas uma sombra, uma coisa vaga na cabeça da elite política e econômica que com eles se relaciona há 500 anos. Para esta elite, e certa classe média que acredita pertencer a este grupo, toda esta massa não é mais que um bando de preguiçosos e lamuriadores, gente que por "ser ignorante" merece estar onde está. É exatamente assim que eles enxergam. E 99,99% dos homens que ocupam cargos públicos ou exercem cargos de gerente para cima em empresas privadas têm este perfil. Daí a massacrante e longeva história de chibatadas físicas e morais que, parece, não terá fim.
    O massacre ao povo voltou, as tais "políticas paliativas", para gente bem nutrida é apenas um termo técnico, que eles insistem em usar para condenar o que foi feito nos anos Lula, mas para o Zé Piolho é melhora de vida. Quem não sabe o que é ter acesso a um pote de iogurte uma vez por semana, ou por mês, o que é não poder comprar um biscoito Passatempo pro filho de três anos com ele do lado pedindo no mercado, quem não conhece o povo deveria ter vergonha de falar superficialidades pelos quatro cantos, com suas indignaçõezinhas de burguês fútil, preocupado com chiuauas e cotovias. Dona Dilma, sim, está jogando por terra tudo que o Lula conquistou pro Zé Piolho. É esmola, paliativo, sedativo, engana-trouxa? Que seja. Nos últimos oito anos a massa-miséria começou a virar gente e isso incomodou aos escolhidos da Brasiuropa. Cadê a revolta? Cadê os revolucionários das redes sociais? Estão chorando a morte do arrogante Steve Jobs, menino prodígio da tecnologia que antecipou em alguns anos todo o processo de controle burocrático do cidadão digital, não apenas para os Estados Totalitários do Democrazismo, mas para o poder sobreparalelo das corporações megamilionárias da tecnologia e do entretenimento. O mundo está mergulhando na Santa Inquisição Ponto Com e ao redor de nós, aqui dentro de onde estamos nas redes sociais e blogues, não está a salvação, está o martírio. Quando acordaremos? 
    DILMA CONTRA AS MASSAS